Polícia Civil disse que estudante levava artefato ao ser preso.
Depoimento de policial e vídeo contradizem essa versão oficial.
Depoimento do policial militar que prendeu o estudante Bruno Ferreira
Teles na segunda-feira (22) durante protesto perto do Palácio Guanabara
contraria todas as notas divulgadas pelas polícias Militar e Civil do
Rio de Janeiro na noite de protesto e no dia seguinte.
A declaração do policial consta de inquérito sobre a prisão de Bruno,
que foi preso sob a suspeita de lançar coquetéis molotov contra
policiais. Houve confronto na manifestação, e sete pessoas foram presas.
As duas polícias divulgaram, oficialmente, que coquetéis molotov haviam
sido apreendidos com um preso.
Mas um policial afirma que nenhum coquetel molotov foi encontrado com o
rapaz. O policial relata que um manifestante não-identificado lançou o
primeiro coquetel molotov e que, logo depois, outra bomba foi acesa e
entregue a Bruno, que a lançou.
O Ministério Público disse que está analisando o processo sobre a prisão
do manifestante e que deve anunciar uma decisão na próxima
segunda-feira (29).
Coquetéis molotov
Nos confrontos da noite de segunda-feira (22), perto do Palácio
Guanabara, sete pessoas foram presas.
Horas depois do início do tumulto, a Polícia Militar do Rio divulgou em
seu Twitter oficial a informação de que 20 coquetéis molotov tinham sido
apreendidos com um manifestante. Minutos depois, uma nova mensagem:
duas pessoas tinham sido presas. Uma portando material explosivo, outra
por desacato.
Por volta de 0h, foi a Polícia Civil que divulgou um balanço: duas
pessoas presas, um menor apreendido, cinco pessoas autuadas. E um número
diferente da Polícia Militar. Teriam sido 11 os coquetéis molotov
apreendidos. Na mesma nota, a Polícia Civil afirmava textualmente que
Bruno Ferreira Teles era o único preso por portar artefato explosivo.
Ele também foi acusado de desacato.
Na manhã seguinte, a Polícia Militar, em nota oficial reafirmou a
apreensão de 20 coquetéis molotov com um dos presos.
Depoimento
Em depoimento, um dos PMs diz que um manifestante não identificado
lançou o primeiro coquetel molotov. Logo depois, outro coquetel foi
aceso e entregue a Bruno, que segundo o policial militar, também o
lançou. O mesmo policial afirmou que nenhum coquetel molotov foi
encontrado com o estudante.
Essa declaração contraria todas as notas divulgadas pela Polícia Militar
e Polícia Civil divulgadas na noite da manifestação e também no dia
seguinte.
Madrugada na cadeia
O juiz do plantão daquela noite, que negou o pedido relaxamento da
prisão em flagrante de Bruno, argumentou que, pela narrativa dos
policiais militares que o prenderam, o estudante teria cometido o crime
de resistência e de lesão corporal. Citou ainda que Bruno teria dado um
soco no pescoço e uma unhada em um dos policiais, havendo assim prova de
existência dos crimes. Bruno passou a madrugada na cadeia.
Na manhã de terça-feira (23), o presidente da comissão criada pelo
governo do Rio de Janeiro para investigar os atos de vandalismo declarou
que o Ministério Público ia denunciar o manifestante por tentativa de
homicídio.
“Quem atira um coquetel, um explosivo contra uma multidão, seja de PM,
seja de manifestantes, seja de quem for, está assumindo o risco de matar
alguém”, afirmou, na terça-feira, o procurador Eduardo Lima Neto.
Também na terça, pela manhã, os advogados do estudante conseguiram um
habeas corpus. Na decisão, o desembargador Paulo de Oliveira Lanzelloti
Baldez afirma que nenhum artefato explosivo foi apreendido com Bruno e
que a prisão em flagrante não tinha fundamento idôneo e concreto.
Vídeos mostram prisão
Bruno deu uma entrevista ao grupo
Mídia Ninja
falando do momento de sua prisão.
"Foi na primeira hora que eles fizeram o pessoal correr. (...) Eu queria
pedir pra vocês ajudarem a encontrar o vídeo onde eu corri da polícia, e
me prenderam e disseram que eu estava com uma garrafa de molotov. Eu
não estava", relatou.
E um vídeo acabou postado nas redes sociais. Nele, Bruno passa no canto
direito do vídeo. Neste momento, não aparenta ter nada nas mãos, nem usa
mochila. Um policial e um homem de camisa preta o perseguem. O
cinegrafista amador corre para acompanhar a cena: mais à frente, o
estudante cai no chão. Um policial chega e usa uma arma não letal contra
o peito de Bruno. Ele parece estar desacordado. O vídeo termina com o
estudante sendo carregado pelos policiais.
Em outras imagens, Bruno já aparece em pé, sem camisa, cercado por
policiais, e com um colete de metal no peito. Um dos policiais militares
acusa o rapaz: "Foi ele que tacou o primeiro coquetel molotov". Bruno
responde: "Eu tava no posto".
Um policial pergunta para outro PM: "Ele é preso de quem?". "Foi o P2
que pegou ele", responde. P2 é como são chamados os policiais que
trabalham sem farda, infiltrados entre os manifestantes.
Outra dúvida levantada sobre a prisão de Bruno diz respeito a uma
mochila que teria sido usada para carregar explosivos.
A imagem de um dos vídeos mostra o momento em que a polícia encontra uma
bolsa cheia de coquetéis molotov. O local fica a cerca de setecentos
metros de onde Bruno foi preso. Imagens feitas por um cinegrafista da TV
Globo mostram que, antes do início dos confrontos, o rapaz não estava
com mochila.
"Eu não tenho mochila nenhuma. Eu acredito, como eu fiquei na frente lá,
falei muito com testemunho, fiquei meio com o rosto marcado, entendeu? E
eu não usei máscara, acho que não tenho motivo para usar máscara, no
momento em que não tá errado", disse Bruno, na entrevista à Mídia Ninja.
Redes sociais
Depois da manifestação de segunda (22), foram publicados vídeos e
relatos publicados nas redes sociais que acusam a PM de ter infiltrado
policiais sem farda no protesto para provocar tumulto. O
relações-públicas da Polícia Militar, coronel Frederico Caldas, se disse
"enojado" com a acusação. Em nota, a PM disse que "imaginar que um
policial vá atirar um coquetel molotov em colegas de profissão,
colocando suas vidas em risco, é algo que ultrapassa os limites do
bom-senso e revela uma trama sórdida para justificar a violência
criminosa desses vândalos".
Abaixo, veja uma descrição dos vídeos publicados na internet e saiba o
que disse a PM:
Vídeo 1: divulgado pela PM
No Twitter, a PM acusou manifestantes de atirar pedras e coquetel molotov em policiais (
leia aqui)
e divulgou um um vídeo. Nas imagens, é possível ver uma pessoa de
camiseta escura, com estampa no meio e com o rosto coberto por um pano
branco. Essa pessoa acende um artefato e o atira em direção aos
policiais.
Vídeo 2: internauta mostra duas cenas diferentes
Um outro vídeo, que pode ser visto
aqui,
mostra uma suposta continuação dessa cena. A montagem começa com as
imagens distribuídas pela PM, em que um homem posicionado entre os
manifestantes acende e atira um artefato. Após um corte, outra cena
mostra dois homens correndo em meio a policiais militares sem serem
abordados e um deles tirando a camiseta escura, com estampa.
Vídeo 3: internauta mostra dois homens correndo
Um terceiro vídeo mostra dois homens correndo (veja
aqui ).
A sequência começa com um grupo de PMs se aproximando deles. Após uma
conversa rápida, a dupla passa por vários policiais, sem ser
perseguidos. Um deles está com camiseta escura e mochila e outro sem
camisa.
Vídeo 4: internauta mostra PMs abordando dupla
Um quarto vídeo ( clique
aqui para
ver ) mostra aparentemente a mesma cena do terceiro vídeo, mas de outro
ângulo e mais próxima. Dois homens de calça jeans, um sem camiseta e
outro com camiseta escura e mochila nas costas, passam por um grupo de
PMs e são abordados. Um militar fardado ordena: "Senta, senta!". Eles
começam a se explicar. Um policial de outro grupo se aproxima e parece
interceder pelos dois. Um dos dois homens tira algo do bolso e mostra
aos PMs. É possível ouvir a frase: "É polícia, cara". Os ânimos se
acalmam e os dois saem do local. O vídeo termina.